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terça-feira, 2 de dezembro de 2008

O Homem que acordou no topo da pedra

O programa Fantástico do dia 23 de novembro abordou o caso de Odair Berti, lavrador do Espírito Santo que no começo do mês acordou, para seu desespero, no alto de uma pedra sem ter como descer. Berti não sabe como chegou àquele ponto, e a equipe de resgate dos bombeiros levou pelo menos nove horas para alcançá-lo – utilizando equipamentos de segurança.

Bem ao contrário do lavrador, que vestia uma camiseta, shorts e chinelos. Apesar de abatido e desidratado, não teria “nenhum arranhão”. O mistério provocou todo tipo de especulação.

Confira o segmento acima, onde o televisivo dominical revela o pequeno detalhe que explicaria o caso. “Odair é sonâmbulo. Ele já foi encontrado na rua, de madrugada, sonhando. Desta vez, ele foi dormir por volta das 20h, no barraco erguido no meio da lavoura de feijão. Acordou de madrugada, em um ponto do paredão, a 80 metros do chão. É mais ou menos o equivalente a um prédio de 25 andares. Justo ele, que tem pavor de altura”.

Aliás, além de revelar que Berti sofre de sonambulismo, o programa esclareceu que ele não subiu até o topo do paredão, que teria 300 metros de altura. Subiu a “apenas” 80 metros, o que ainda pode ser difícil de conceber, mas é menos difícil.

Oitenta metros de um paredão íngreme, depois de atravessar uma mata densa e fechada… dormindo? Várias pessoas que assistiram ao segmento já manifestaram incredulidade frente à idéia. Imagino o que pensarão então ao tomar conhecimento do…

Sonambulismo homicida (em inglês, excerto traduzido abaixo):

Ocasionalmente, sonâmbulos matam pessoas, geralmente um membro da família, durante o ato sonâmbulo. Houve alguns casos raros em que o suposto ato homicida ocorreu e o principal suspeito pode ter cometido o crime enquanto permanecia sonâmbulo. Em torno de 68 casos são conhecidos até o momento”.

Inacreditável? O caso ilustrativo é o de Kenneth Parks:

“Na manhã de 23 de maio de 1987, Parks se levantou (mas não acordou) da cama, dirigiu aproximadamente vinte e três quilômetros à casa de seus sogros, arrombou a entrada, atacou seu sogro e esfaqueou sua sogra. Depois de tudo isso, ele conseguiu dirigir para a delegacia. À parte alguns eventos isolados, a única coisa de que conseguia se lembrar era estar na delagacia pedindo por ajuda, dizendo ‘Acho que matei algumas pessoas… minhas mãos’.

A única defesa de Parks foi a de que ele estava dormindo durante todo o incidente e de que não estava consciente do que fazia. Naturalmente, ninguém acreditou na alegação, mesmo especialistas do sono estavam extremamente céticos. No entanto, depois de investigação cuidadosa, os especialistas não puderam encontrar outra explicação. Os EEG (eletroencefalogramas) de Parks eram altamente irregulares mesmo para um parasomníaco. Isto, combinado com os fatos de que não tinha motivos, de que era incrivelmente consistente em suas histórias em mais de sete entrevistas, apesar de tentativas repetidas de pegá-lo em contradição, que a cronologia dos eventos encaixa-se perfeitamente com a explicação proposta, e que não há maneira de manipular resultados de exames EEG, Parks foi inocentado do assassinato de sua sogra e a tentativa de assassinato de seu sogro”.

Isso mesmo. Kenneth Parks dirigiu quilômetros, matou a sogra, disse que estava dormindo e foi inocentado. Parece uma piada mórbida, mas o caso não é isolado e inacreditavelmente, o homicídio sonambúlico parece a explicação menos absurda. Parks pode ter assassinado seus sogros sem nenhum motivo aparente, sem encobrir seus atos e entregando-se à polícia logo depois para tentar a genial defesa de alegar ser sonâmbulo, contando com sua atividade cerebral anômala durante o sono. Ou ele realmente pode ser um exemplo de como os distúrbios do sono podem ser mais bizarros do que imaginamos.

Idealmente, investigação mais cuidadosa poderia ser conduzida no Espírito Santo para averiguar se seria de fato inconcebível ao lavrador escalar o paredão apenas de chinelo, como um bombeiro chega a declarar.

De minha parte, penso que é importante perceber que Odair provavelmente escalou a rocha, mas apenas até onde conseguiu, através de um caminho aleatório que ele, ao acordar, não pôde ver e talvez não pudesse mesmo usar para descer. Grosso modo, Berti pode ter se visto no mesmo dilema dos gatos que sobem em árvores e depois não sabem mais como descer.

O lavrador parece um homem simples, são e genuinamente assustado com a idéia de que o evento possa se repetir. E ele pode não ter tanta sorte da próxima vez. Espero que a cobertura muito boa feita pelo programa dominical, que não explorou o tema gratuitamente, fornecendo uma explicação racional e orientações responsáveis, motivem mesmo ele e outros sonâmbulos a tomar cuidados. Nos casos de sonambulismo homicida, alguns dos envolvidos passaram a dormir em recintos trancados.

Sonâmbulos escalando rochedos e matando sogras parece estranho? Bem, há um outro tipo mais curioso de parasomnia. É a sexosomnia. Sim, o que você está pensando.

Pessoas que fazem sexo. Dormindo. A condição está sendo explorada apenas recentemente na literatura médica, com o primeiro trabalho a respeito sendo publicado em 1996.

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